A democracia brasileira, em seu constante processo de implementação, conquistou importantes avanços, apesar de manter incômodas contradições – o que se manifesta de modo mais visível em períodos eleitorais. Entre erros e acertos, porém, temos um avanço que parece ter atingido o nível do consenso: o segundo turno.
Caso a eleição presidencial
que reelegeu Dilma Rousseff tivesse corrido em sistema de turno único, o
resultado prático teria sido aparentemente igual, uma vez que, já em primeiro
turno, a candidata fora a mais votada. No entanto, em termos democráticos, a
coisa é mais complexa: considerando que, na segunda etapa da eleição, nenhuma
das outras candidaturas optou por apoiar a atual presidenta, podemos dizer que
o grande confronto inicial se deu entre a candidata da situação e os candidatos
da oposição.
Nesse sentido, alguns
poderiam advogar que o primeiro turno foi vencido pela oposição, em nome do tão
repetido “desejo de mudança”: a soma total dos demais candidatos totalizou
58,4% dos votos, contra 41,6% de Dilma. No entanto, como enxergar como um bloco
homogêneo uma oposição que congrega Levi Fidélix do PRTB e Luciana Genro do
PSOL? Será que os eleitores de ambos desejam a mesma “mudança” para o país? Se assumíssemos
mesmo que no primeiro turno a oposição venceu, a qual candidatura caberia a
hashtag “#MeRepresenta”?
Para responder da maneira mais
sensata possível a essas questões, nossa democracia conta com um importante
instrumento: o segundo turno. Justamente para evitar que cargos executivos
sejam ocupados por um vencedor que não contemple a vontade da maioria,
polariza-se a disputa entre os dois primeiros e “que vença o/a melhor”. Foi
nesse cenário que Dilma Rousseff passou de 41,6% para 51,6% dos votos válidos,
conseguindo tornar-se legitimamente a presidenta dos brasileiros e das
brasileiras, por vontade da maioria.
Apesar de todo esse esforço
democrático, que custa alguns milhões de reais aos cofres públicos (só com o
horário eleitoral “gratuito”, foram-se R$839 milhões),
muitos eleitores insatisfeitos com o resultado da eleição vêm assumindo
discursos francamente antidemocráticos. Mesmo diante de uma candidatura que
conseguiu ser a mais votada em ambos os turnos, defendem uma reviravolta no
pleito e, caso isso não aconteça, propõem a separação entre os que votam como
eles e os que votam “contra eles”.
Em um bonito discurso que se
contrapôs a esse pensamento tacanho, o já reeleito deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) lembrou que “a democracia
não é um conjunto de possibilidades eleitorais, a democracia é um comportamento”.
Um comportamento que, diga-se de passagem, pode ser exercido mais plenamente na
derrota que na vitória, pois é justamente quando acatamos a vontade do outro
que conseguimos superar nossos instintos mais vis e autoritários e, assim, dar
um importante passo na busca pela civilização, fugindo da barbárie a que nossa
animalidade tenta nos reduzir.
Os que não lutam contra esses instintos, acabam atentando,
propositalmente ou não, contra um bem duramente conquistado: a democracia. Seja
afirmando que os eleitores de outra legenda são “mal informados” – com fez o
eterno ex-presidente FHC –, seja sugerindo o extermínio dos que pensam
diferente (como pregou-se num grupo de rede social paradoxalmente chamado “Dignidade
médica”), o resultado é o mesmo: a perigosa imposição de um pensamento único,
contrária à diversidade que caracteriza tão peculiarmente a espécie humana.
O curioso é que normalmente são essas pessoas as que clamam
contra uma suposta “ditadura comunista no Brasil”, mesmo tendo toda a liberdade
de expressão para dizer bobagens desse tipo – coisa que, obviamente, nenhum
ditatura permitiria. Num arroubo esquizofrênico, alguns deles chegam a exigir
intervenção militar, para “libertar” o país de um governo democraticamente
eleito pela vontade da maioria. Esse mesmo grupo, antes até da apuração dos
votos que reelegeram Dilma Rousseff, já falava em impeachment e em “terceiro turno”.
Ao que tudo indica, são pessoas com uma enorme dificuldade de
enfrentar a frustração de suas vontades individuais, exercício que, gostemos ou
não, a democracia nos impõe a praticar. Ao contrário do que se tem propagado, não
se pode tratar a vivência democrática como um lúdico jogo de Playstation, que
permite apelar para o botão reset quando
as coisas não correm como gostaríamos. Pelo bem da democracia, há de se buscar
meios mais maduros para enfrentar um resultado tido como infeliz. Não é fácil,
eu sei. Mas é do jogo.
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