sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Impeachment, “terceiro turno” ou botão reset?



A democracia brasileira, em seu constante processo de implementação, conquistou importantes avanços, apesar de manter incômodas contradições – o que se manifesta de modo mais visível em períodos eleitorais. Entre erros e acertos, porém, temos um avanço que parece ter atingido o nível do consenso: o segundo turno.

Caso a eleição presidencial que reelegeu Dilma Rousseff tivesse corrido em sistema de turno único, o resultado prático teria sido aparentemente igual, uma vez que, já em primeiro turno, a candidata fora a mais votada. No entanto, em termos democráticos, a coisa é mais complexa: considerando que, na segunda etapa da eleição, nenhuma das outras candidaturas optou por apoiar a atual presidenta, podemos dizer que o grande confronto inicial se deu entre a candidata da situação e os candidatos da oposição.

Nesse sentido, alguns poderiam advogar que o primeiro turno foi vencido pela oposição, em nome do tão repetido “desejo de mudança”: a soma total dos demais candidatos totalizou 58,4% dos votos, contra 41,6% de Dilma. No entanto, como enxergar como um bloco homogêneo uma oposição que congrega Levi Fidélix do PRTB e Luciana Genro do PSOL? Será que os eleitores de ambos desejam a mesma “mudança” para o país? Se assumíssemos mesmo que no primeiro turno a oposição venceu, a qual candidatura caberia a hashtag “#MeRepresenta”?

Para responder da maneira mais sensata possível a essas questões, nossa democracia conta com um importante instrumento: o segundo turno. Justamente para evitar que cargos executivos sejam ocupados por um vencedor que não contemple a vontade da maioria, polariza-se a disputa entre os dois primeiros e “que vença o/a melhor”. Foi nesse cenário que Dilma Rousseff passou de 41,6% para 51,6% dos votos válidos, conseguindo tornar-se legitimamente a presidenta dos brasileiros e das brasileiras, por vontade da maioria.

Apesar de todo esse esforço democrático, que custa alguns milhões de reais aos cofres públicos (só com o horário eleitoral “gratuito”, foram-se R$839 milhões), muitos eleitores insatisfeitos com o resultado da eleição vêm assumindo discursos francamente antidemocráticos. Mesmo diante de uma candidatura que conseguiu ser a mais votada em ambos os turnos, defendem uma reviravolta no pleito e, caso isso não aconteça, propõem a separação entre os que votam como eles e os que votam “contra eles”.

Em um bonito discurso que se contrapôs a esse pensamento tacanho, o já reeleito deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) lembrou que “a democracia não é um conjunto de possibilidades eleitorais, a democracia é um comportamento”. Um comportamento que, diga-se de passagem, pode ser exercido mais plenamente na derrota que na vitória, pois é justamente quando acatamos a vontade do outro que conseguimos superar nossos instintos mais vis e autoritários e, assim, dar um importante passo na busca pela civilização, fugindo da barbárie a que nossa animalidade tenta nos reduzir.

Os que não lutam contra esses instintos, acabam atentando, propositalmente ou não, contra um bem duramente conquistado: a democracia. Seja afirmando que os eleitores de outra legenda são “mal informados” – com fez o eterno ex-presidente FHC –, seja sugerindo o extermínio dos que pensam diferente (como pregou-se num grupo de rede social paradoxalmente chamado “Dignidade médica”), o resultado é o mesmo: a perigosa imposição de um pensamento único, contrária à diversidade que caracteriza tão peculiarmente a espécie humana.

O curioso é que normalmente são essas pessoas as que clamam contra uma suposta “ditadura comunista no Brasil”, mesmo tendo toda a liberdade de expressão para dizer bobagens desse tipo – coisa que, obviamente, nenhum ditatura permitiria. Num arroubo esquizofrênico, alguns deles chegam a exigir intervenção militar, para “libertar” o país de um governo democraticamente eleito pela vontade da maioria. Esse mesmo grupo, antes até da apuração dos votos que reelegeram Dilma Rousseff, já falava em impeachment e em “terceiro turno”.


Ao que tudo indica, são pessoas com uma enorme dificuldade de enfrentar a frustração de suas vontades individuais, exercício que, gostemos ou não, a democracia nos impõe a praticar. Ao contrário do que se tem propagado, não se pode tratar a vivência democrática como um lúdico jogo de Playstation, que permite apelar para o botão reset quando as coisas não correm como gostaríamos. Pelo bem da democracia, há de se buscar meios mais maduros para enfrentar um resultado tido como infeliz. Não é fácil, eu sei. Mas é do jogo.

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